terça-feira, 3 de outubro de 2023

Conto: barulhos da noite e o turbilhão ansioso


Fonte da arte: 
Gerada por pixa.ia art e editada em Canvas

 Barulhos da noite e o turbilhão ansioso


O relógio barato pendurado na parede faz o som do tic tac ecoar, um som mais grave quase como se ele tentasse mentir sua fragilidade mecânica.


O relógio parece apenas fazer minha mente que encara a parede do quarto vazia ter uma leve sensação de tempo passando. Sentada de pernas cruzadas, olhando o nada apenas sentindo minha mente entrar em colapso, um misto de quem esta sem seu o objeto de vício por muito tempo. Onde o corpo treme e parece fazer a mente pensar no medo de não ter mais maneiras de conseguir o que deseja, um misto de tantas sensações que tudo que me resta é encarar o vazio sentada em minha cama.


 Pela janela do quarto o som da chuva que cai de forma suave lá fora parece cantar com o tic tac do relógio que marca quase meia noite. 

Tudo parece quieto e calmo de certa forma, não há crianças, cães, pássaros ou sons de "vida" ocorrendo lá fora. Tudo que tem é o relógio e a agitação de meu coração, batendo desesperado dentro de mim, o estômago, as viscerais, tudo explodindo em vida de forma que esta se sentindo ameaçada mas também que deseja manter-se em silêncio para não se destoar do resto do mundo.


 Mas este mundo interno parece até parar de existir quando o som das pedras do solo lá fora ecoam, um carro chegando e esmagando as pedras do estacionamento. Nitidamente as rodas de um carro raspam as pedrinhas mostrando que um veículo parou, abriu a porta de deslizar característica de van e o som de pessoas se despedindo e andando.


  • "Ele chegou…! Ele chegou!"


Eu sei que se eu correr para perto da porta de entrada poderei ouvir os passos no corredor deserto, as chaves e a porta pesada de casa se abrindo, posso até ouvir se ele geme de dor ou frio, ou se até mesmo esta mancar ou arrastar os pés,posso já imaginar seu estado de espírito só pela voz e sons.


  • Cheguei….


Geralmente vou logo abraçar e curtir o jantar, falarmos bobagens, jogarmos alguma coisa, ver vídeos no celular, em fim, viver um pouco de sua magnífica companhia, apesar que…


Logo após o banho, o jantar e o momento de vida que ele me trás, vem a parte inquietante. 

Ele precisa dormir para o próximo dia de trabalho, e então novamente estou sentada na cama do quarto, quieta deitada, observando ele deixar o celular escapar entre os dedos, os olhos fechando e então a forma como relaxa os lábios os deixando entreabertos e sua respiração pesada ser mais fácil de ouvir, fazendo até o maldito relógio parecer só um compasso para sua sinfonia noturna. Desligo as luzes, tomo meu remédio e então finalmente posso ficar na cama.


Posso ficar quieta observando sua face delicada, cada detalhe de seu rosto de pele clara, olhos puxados, cabelos longos de pouco volume e ondulados, a forma como seu peito largo se expande um pouco para respirar, como sua pele é fria ao toque, mas facilmente fica quente quando estou perto. Posso apoiar a cabeça e ouvir a vida fluindo, o bater do coração, cada parte de seu corpo funcionando, sons que às vezes imagino como a medicina explicaria, gases no intestino? Contrações do estômago? A vida flui enquanto fico quieta e tento interagir o mínimo possível, ainda que ele teimosamente jogue sua perna pesada sobre a minha, como raramente a estica para dormir e dorme com a perna dobrada, o joelho para cima formando um belo triângulo com a coberta isso sempre me é estranho, como acorda sem dor no dia seguinte.


Ele me atrapalha de relaxar na cama, mas já dormi enquanto estava fora, trabalhando ou simplesmente jogando algo, ausente por algum motivo. E então o medo irracional de um dia dormir e não ter ele, o silêncio do quarto reinar de verdade, perder a delicada sinfonia noturna que seu corpo oferece, o calor sutil que nem o inverno mais severo consegue apagar quando toco, parece assombrar-me. Como será deitar na cama e após alguns minutos não for quente e agradável? Como dormir tendo só o relógio e a mim mesma?


Com ele  dormindo posso ver cada parte de seu corpo, a forma como reage se eu chorar por ver um vídeo triste, que me abraça, me acaricia, as vezes que choramingo e me dá o braço para usar de travesseiro. Posso pensar em sua beleza física, ser tentada com pensamentos indecentes já que os pijamas são coisas do inverno. Posso até mesmo ficar fascinada em como ele esta comigo mesmo estando dormindo, já aconteceu de uma vez ele me consolar dormindo. 


Já chegou o fato de acalma-lo enquanto ele fala ao dormir, sei que tem pesadelos, apesar que sempre diz que nunca sabe de nada. Soa engraçado quando ele acorda e vai ir trabalhar. É um misto de mais espaço na cama ao mesmo tempo de silêncio,vazio e solidão.


Falta-me a forma como é espaço e pouco confortavelmente eu me deito. Falta o calor sutil de sua pele, o som de sua respiração compassada com o relógio da parede. 2 segundos puxa o ar, por 2 segundos soltando e 2 segundos de intervalo para ouvir novamente. É engraçado como sei que o sono esta bom, leve ou pesado só pelo barulho. Apesar que quando está mesmo dormindo pesado, é quase um roncar suave. As vezes ensurdecedor. Afinal, as vezes dorme com os lábios ao lado de meu ouvido.


O exaustivo e barulhento amor de minha vida. Não sei se posso dormir sem ele, o silêncio da casa faz com que seja impossível dormir, as vezes me vejo enfiando a cara em seu travesseiro, esfregando a mão na cama, buscando o resquício de cheiro e calor, buscando o mínimo de sua existência para suportar dormir.


Ele é meu sonho vivo. E meus olhos e nariz ardem como o inferno quando me bate o pavor de um dia tudo isso acabar. Como suportar isso?


Lembro-me que desde o primeiro dia que dormimos juntos de forma inocente, sem nada além de colar os corpos e pegar no sono, ainda que com roupas no caminho, eu senti que achei meu lugar.


E finalmente adormeci como nunca tinha dormecido antes. Eu me senti segura.


E agora, como posso ter me acostumado a tudo isso? Como posso achar tudo tão normal? Parte de mim inquieta não quer dormir mais, quer aproveitar cada segundo, enquanto a outra só pensa em se dissipar no tic tac do relógio e deixar esses pensamentos sumirem. 


Quando dou por mim, mas um dia se passou. Esse foce turbilhão que chamo de rotina. Mais um dia se passou.

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